segunda-feira, 15 de agosto de 2016

"Te ligo mais tarde..."

Travessa da Espera - Lisboa

   Combinaram de ir a uma exposição no inicio daquela noite de sexta-feira. A voz do outro lado do telefone disse, com um sorriso polido: "Te ligo mais tarde para confirmar a hora..." e ele esperou a ligação, mas já era domingo. Ninguém ligou. Parece que existe apenas uma certeza no que se esperar das pessoas que tem sorriem à primeira "esquina".
   Em uma esquina há tantas bocas que se trocam por beijos sujos, manchados de culpa, tristeza, solidão, soberba, luxúria e indecisão. Beijos seguidos pelo escarro do ego que se desprende da garganta. Parece uma boa ideia para quem não sabe o que quer e não tem muito a perder.
   Se salvaria na atenção pretendida, mas se perde entre tantos abraços vazios e sorrisos para si próprio. Vai seguindo a tênue linha de olhares entre as pessoas da esquina e entupindo a cabeça com álcool e nicotina. Perdido... Não se espere achar em quem confia em meia duzia de palavras daquela gente ali da esquina.

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

O Skrike



"O Grito" - Edvard Munch

Tenho um tantão de palavras não ditas emaranhadas no meu coração. Palavras ainda sem forma, porque no percurso entre o sentido, pensado e dito há uma complexa cadeia de produção. As vezes um fio escorre pela língua e algumas pessoas recebem com indiferença, outras como se uma tromba d'água despencasse sobre suas cabeças e outros como aquela poça suja que a gente pisa e se irrita por ter molhado as meias.

Elas vem deformes. Brutas e sem gingado. Densas. Não possui o contorno trabalhado daqueles que sabem esculpi-las e pô-las a mostra como sua obra de arte final. Seria o português a fôrma mal-feita para aquilo que queria ser dito? Encharcou-se de castelhano, embriagou-se de inglês, tocou no francês e bateu com a cara no norueguês até que de longe avistou o mandarim, mas ficou com os pés presos na lama que oferece o russo. Agora tinha palavras demais. Umas mais brutas que as outras. Algumas mais esclarecidas que poucas. Escorriam pesadas. Com grafia feia e combinação desastrosa.

Seria então necessário que se expressa-se num acolchoado de retalhos, daqueles que as vovós costumam fazer, com palavras que se aproximam do que desemaranha o coração?
Eu siento rare parce que ingen shi zhèli so mnoy.
Me feel alene avec tysyachi réri conmigo.
Queria ser calado em definitivo e não sofrer com tanto a dizer, sem saber como e sem saber porquê.