quinta-feira, 28 de julho de 2016

Desabafo II



Nunca se permitiu a gostar (ou amar) a quem ele andava de mãos. O senso de mediocridade o levava a aturar quem não o surpreendia e o olhar frio, o toque distante, findava qualquer chama que se levantava para consumi-lo. Ouvia nitidamente o coração alheio bater mais forte quando se aproximava, mas o seu sempre estava sintonizado no mudo. Dava-lhes o direito do desespero ou do desinteresse e não se incomodava. Virava as costas à primeira lágrima que se despontava na quina dos olhos. Pisava-lhes a ferida para desafiá-la a não escorrer pelas bochechas e terminar pingando do queixo.

Nunca se deu a chance de olhar para baixo e perceber que estava sobre um pedestal, que ele mesmo criou, com a corda enrolada ao pescoço. Olhava para todos ali de cima, sem saber o que fazer caso alguém se decidisse chutar o seu suporte dali. Mesmo que ninguém o observasse, preferiu se manter ali trocando palavras com dois ou três, mas nunca descendo a seus níveis. Tinha o medo emaranhado do profundo negro de suas pupilas, mas imprimia em sua cara uma indiferença sólida.

Sua cabeça gritava ao coração que o fizesse parar. De se portar como torre vigilante, quando se era ele próprio que se perdia. Perdia-se no nó dos pensamentos, no tsunami dos sentimentos e nas palavras de qualquer um. Queria não ouvir, mas ouvia demais.

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Grande Onda


(Releitura de "A Grande Onda de Kanagawa - Katsushika Hokusar" - Fredi Ambrogi)

À DSF

Tudo parecia uma praia sem onda
Onde um menino ia todos os dias cutucar a água com uma vareta
Queria sentir o mar correr em direção à seus pés na areia
Forçava-lhe as ondas, fraco.
Não lhe interessava a lagoa que só aos olhos agradam
Que só ao corpo refresca

Gostava do desafio de se equilibrar
Queria avançar pela água salgada e ser arremessado de volta
Não lhe apetecia mais se aproximar
O mar sem ondas passou a agradar só a quem via de longe, sem poder tocar.
Ainda teimava em cutucá-lo
E a resposta veio

Do liso espelho d'água se via ao longe levantar-se uma parede
Daquelas que todos fogem quando vêem
Mas ele correu descalço pela areia até lhe sentir sob as unhas
Rasgou a roupa para fora de si e,
De braços levantados, imponentes, postou-se como se a barraria de volta
Ninguém lhe acreditava e a onda veio.

Acertou em cheio o rapaz
Revirou toda a areia marcada com suas pegadas
Acertou os transeuntes no calçadão
Dragou tudo o que tinha consigo.
Ele tentou segurar a onda, a queria.
Mas ela o expulsou.

quarta-feira, 6 de julho de 2016

Rendição?




"De tanto querer que me quieras, escucha.
[...] fue tanto querer quererte"


Acredita que eu fui parar no Rio de Janeiro, por duas vezes, quase que sem dinheiro algum, mas um tanto de pretextos na mochila apenas para ganhar um sorriso especial? Testemunhei (e sobrevivi) a alguns tiroteios, caminhei alguns quilômetros do alto do Morro da Babilônia ao Botafogo e me fiz o GPS humano quando me pedia para encontrar em algum bar pela zona sul. Ouvi seu coração bater triste e peguei 30 reais emprestado para presentear-la com um livro que eu sabia que ela ia adorar. A abracei quando senti que devia. Ela não me deixou na rua, quando já era tarde e o metrô não funcionava (e nem quando desmaiei de bêbado sob os Arcos da Lapa rsrs). Tudo que me acometia era encantar-me mais. Cada vez mais. Imensamente mais. Até que veio um beijo sem jeito, com gosto pesado e um tom de culpa. Senhor, como eu quis um beijo daquela menina! Mas não que fosse daquele jeito.

Ai uns anos antes meus olhos brilhavam na direção de uma menina que veio de muito longe. Com voz macia e papo doce. A cabeça nas nuvens e os pés se esforçando para se manter no chão. Quando brigamos andei por 7 quilômetros com uma rosa na mão para lhe pedir perdão (porque ou comprava a rosa ou a passagem do busão). Ela era torta e eu nem tanto. Mostrou-me que tenho asas e que foram feitas para bater e me levar pra onde eu quiser. Tinha dia que ela estava aqui, no outro lá e por algumas semanas na China. Ela sempre voltava e eu estive sempre a esperando.

Hoje estive me propondo a dobrar-me em 20. Não queria nada, mas com o passar dos meses eu quis muito. Quis um sorriso, quis um abraço e um quilo de beijos. A fina linha que me prendia àquela rede, qual ele era o centro, se rompeu e a cada dia ele se vai para longe. Um barquinho a deriva num oceano inteiro salpicado de dor e olhos de marujo sereno que fitam as ondas que se encontram ao casco. Ele alimenta o mar e eu o quis fazer parar, mas não deixou. Quis nadar até ele, mas não deixou. Quis saltar de paraquedas encima da sua embarcação e correr o risco de me afogar, mas ele não deixou. Será que ele sabe que quanto mais se afasta, mais se avança o pôr do meu sol?

De tanto querer abraçar. De tanto querer encontrar. De tanto querer... eu queria e ninguém quase nem via. Meus olhos sempre vão brilhar, por cada letra de cada palavra dirigidas a mim. Só espero poder seguir cantando nossas canções em algum momento, em alguma esquina que a minha rua encontrar com a sua.