terça-feira, 22 de setembro de 2015

Um Último Trago





   Sentado na janela, saboreava a brisa calma e morna das primeiras noites de primavera. O cigarro entre os dedos e os olhos no céu limpo, pontilhado por estrelas. Corpo presente, mas a mente respirava em outro lugar secreto. Quem olhasse, saberia que não estava ali por inteiro. Lápis na mão e um pedaço de papel a frente. Desenhava algumas letras e logo às desfazia. O cigarro queima. Entre curtas tragadas olhava para o céu e se voltava para o papel. Queria escrever muitas coisas, mas o espaço era pequeno. Pensava nas melhores palavras, mas de pronto às abandonava. Precisava escrever! Respirava como se a alma estivesse pronta a sair de seu corpo e fazer uma viagem longa. Sem certeza se voltaria. Sentia a brisa e o cheiro da mistura de tabaco e papel queimado. 
   A mente oferecia um vocabulário extenso, mas a língua não lhe servia. Queria vomitar um milhão de palavras traduzidas de seu idioma pessoal. Os dedos se voluntariavam, mas não eram exitosos. Indagavam: "O que quer dizer?" e logo desfaziam todo o árduo trabalho outrora escrito. "O que quer dizer?" Ora, quer dizer tudo! Mas tudo é demais para a língua que sabia falar. Acumulava-se na garganta e já quase transbordava pelos olhos. Dava mais um trago e se voltava ao céu. A brisa mexia com as folhas da árvore a frente e, com seu som, perturbava a noite calma e especialmente quente. Tinha que transbordar! E choveu em gotas de oceano. Aquele que queria jorrar pela boca e se continha um pouco antes das cordas vocais. 
   Pensava em seu egoísmo. Pensava em sua solidão. Solidão que só o coração sentia e que nunca se ia, mesmo quando algumas taças de vinho estavam presentes. Que outros sorrisos se exibiram em sua presença, mas nenhum alcançou a profundidade daquele olhar. Tal que via, e entendia, o que tinha atrás de cada estrela. Traga a última porção de fumaça e descarta a bituca no gramado a frente. Observa seu caminho até o chão. Viajou por mais de dez metros até lá. Olhou uma vez mais para o céu. Desistiu do papel. Secou o rosto e a seguiu. A alcançou e de dentro dele explodiu tudo o que queria dizer. Nas janelas, nas paredes, na árvore e por quase toda a grama. Tudo está repleto de sentido agora.