sexta-feira, 22 de março de 2013

Uma Lembrança

Vinha entediado do meu quarto e adentrava a cozinha. Deparava-me quase sempre com a mesma imagem. Aquela jovem senhora parada ali em frente ao balcão. O cheiro anunciava coisa gostosa. Era doce e quente. Aproximava-me para que meus olhos aclarassem meu olfato. E ela estava ali, derramando o brigadeiro de panela sobre o bolo recém tirado do forno. Era de coca-cola. Muita gente olha com preconceito ou espanto para essa receita. Mas se tinha coisa que ela poderia fazer e alegrar a familia, era esse seu famoso bolo de coca-cola com brigadeiro. Perguntava-lhe se queria ajuda e com um sorriso respondia que era para rapar a panela e dividir com meus irmãos. Olhava satisfeita para a sua criação. Adicionava esse sabor ali, na história daquela gente. Não simplesmente porque sua receita era impecável. Mas porque era uma amostra de carinho. Era mais que um simples bolo de coca-cola com cobertura de brigadeiro. Havia amor naquilo tudo. Havia esforço.

domingo, 10 de março de 2013

Parte I

"Sobre as asas do tempo, a tristeza vai-se embora." 
Jean de La Foutaine

  "O facto de sermos habitados por uma nostalgia incompreensível seria mesmo assim o sinal de que existe um além." 
Eugene Ionesco

   Furtivamente nos vimos, pela primeira vez, no meio de quase uma multidão de pessoas, que acompanhavam um festival de música incomum organizado pela cidade. Sua irmã de consideração nos apresentou de maneira tão rápida, que tudo o que pude dizer foi apenas um singelo e seco "oi". A atenção dela era requisitada por vários e, ao meu olhar, eu não era prioridade em conhecer Alice, que respondeu educadamente em tom polido e sofisticado. Mas, logo foi empurrada a um outro grupo de pessoas sedentas por sua atenção.
   Senti uma coisa estranha enquanto acompanhava o ausentar, quase que involuntário, de Alice. Apesar da deficiência de luz, em uma noite de inverno, pude perceber vários traços em seu rosto, o que me fazia instantaneamente concluir que ela era linda. Aquela moça que mal falava a mesma língua que eu captou a minha atenção e se eu não chegasse mais perto, se eu não tentasse arrancar ao menos uma palavra além do primeiro "oi" seguramente me arrependeria por um bom tempo.
   Na semana seguinte, com seu numero de telefone ainda guardado em minha memória, a convidei a um baile e ela compareceu. Passamos horas falando sobre qualquer coisa, mas o que me importava era seu sorriso. Com alguns copos já vazios sobre a mesa senti que seu rosto já estava mais perto do meu. Minha mente girava, mas a alegria pulava para todos os lados de mim para ela e vice-versa. Certamente aquele foi o beijo, que fez este rapaz esguio e sem atrativos, o mais feliz em toda uma geração.
   Um telefonema. Alguém a chama. Já era hora de ir-se embora. Por algum motivo meus óculos estavam em sua bolsa. Um último beijo. E ela se foi.