sábado, 11 de outubro de 2014

E Se Eu Nunca Me Expressar?

(Cena do filme "Albergue Espanhol")

  Sua silhueta de costas pra mim a frente da luz da alvorada que passava por sua janela. Não conseguia pensar em curvas mais belas ou mais atrativas que aquelas. Tive a maior vontade do mundo de te abraçar e te manter ali, quieto, nos meus braços. Provaria-te que nada no mundo te atingiria. Que usaria meus braços finos em afago a ti ou em arma a quem te aflige.

  Eu quis encher um balde com tudo que jorrava de mim e jogar-te a face, aos trancos do sono e da embriaguez, contive-me e contentei em molhar-te um pouco com o que vinha na tampa. Na tampa dos meus olhos e do meu coração. Na tampa do meu querer.
  Queria não sentir-me assim porque meu medo de mim tem potencial para afastar até os mais indomáveis. Ter-te perto me afaga o futuro que norteia somente meus pensamentos e anestesia meus pés cansados por andar sobre pedras e suas pontas. Pedras de uma rocha maior, que me protege do meu eu, que dela fiz morada e que é a primeira coisa a se ver de longe.
  Ando de máscaras por ai. As vezes mais discreta, as vezes mais pesada. A verdade é que apesar de querer dar-te a face, não consigo. Não consigo porque meu eu não quer deixar de ter o afago que o seu faz.

  Na verdade o que gostaria de voltar a sentir é a sua respiração em minhas bochechas, minha cabeça em seu peito e aquilo que me fez dormir, mesmo em um ambiente que não me cabia.

sábado, 4 de outubro de 2014

Suspiro Com a Cabeça Apoiada Nas Mãos








Àquele artista que por três vezes me citou o capítulo anterior

  Então naquele dia eu falei de ti. Sentado na praça enquanto as pessoas passavam e o vento bravo lufava frio e varria as folhas secas. Sussurrava no meu canto, para mim mesmo, em voz não tão baixa. Debatia com o inquilino na minha cabeça sobre as mudanças inconstantes que me sujeitava. Não tentava me render. Porque antes o fiz e minhas pernas ele quebrou. Então com intensidade ele entrou e sem força não o obrigo sair.
  Porque estava ali? Não sei. Mas as praças carregam esse ar impregnado de amáveis começos promissores e o que eu mais precisava ali era de um começo. Um começo com duas colheres de amor. Um amor que chegasse com duas bolachas descompromissadas com o sabor. Alheias aos gostos. Indiferentes à casca da laranja, que aromatiza o gosto.
  Bebi como se fosse uma poção entregue por uma bruxa. Dessas que passam e prometem ter em suas mãos as chaves mais adequadas para as portas mais difíceis de se abrir. Quis que meu estômago borbulhasse o destino e o universo fosse impresso ao som do cantarolar do inquilino. Um cantarolar agudo e afiado que ao alcançar os meus ouvidos dilacerou-o.
  Não vi dor, mas vi sangue. Duas mãos me arrancaram daquela imersão fria e pesada como as garras de um falcão alcançam a presa e a sacodem firme até o ninho. Era um soco à boca do estômago. Vindo de uma mão enrugada e fraca. Atravessou-me ao meio e não preencheu meu vazio.
  Vazio!
  Brada o bebê com poucos dentes no colo da mãe coadjuvante, fugida a passos largos.
  Mas eu falei de ti. Falei para quem não quis ouvir. Porque meu peito transbordava sua voz e meus olhos projetavam seu cabelo ondulado. Ainda que ardi nesse fogo há pouco, agora que sinto a brasa acender e a esquentar meus pés, para que com menos frio pudesse sair dali para meu quarto. Deitar no meu colchão e cobrar o aluguel. Dizer boa noite e acordar.