sábado, 4 de outubro de 2014

Suspiro Com a Cabeça Apoiada Nas Mãos








Àquele artista que por três vezes me citou o capítulo anterior

  Então naquele dia eu falei de ti. Sentado na praça enquanto as pessoas passavam e o vento bravo lufava frio e varria as folhas secas. Sussurrava no meu canto, para mim mesmo, em voz não tão baixa. Debatia com o inquilino na minha cabeça sobre as mudanças inconstantes que me sujeitava. Não tentava me render. Porque antes o fiz e minhas pernas ele quebrou. Então com intensidade ele entrou e sem força não o obrigo sair.
  Porque estava ali? Não sei. Mas as praças carregam esse ar impregnado de amáveis começos promissores e o que eu mais precisava ali era de um começo. Um começo com duas colheres de amor. Um amor que chegasse com duas bolachas descompromissadas com o sabor. Alheias aos gostos. Indiferentes à casca da laranja, que aromatiza o gosto.
  Bebi como se fosse uma poção entregue por uma bruxa. Dessas que passam e prometem ter em suas mãos as chaves mais adequadas para as portas mais difíceis de se abrir. Quis que meu estômago borbulhasse o destino e o universo fosse impresso ao som do cantarolar do inquilino. Um cantarolar agudo e afiado que ao alcançar os meus ouvidos dilacerou-o.
  Não vi dor, mas vi sangue. Duas mãos me arrancaram daquela imersão fria e pesada como as garras de um falcão alcançam a presa e a sacodem firme até o ninho. Era um soco à boca do estômago. Vindo de uma mão enrugada e fraca. Atravessou-me ao meio e não preencheu meu vazio.
  Vazio!
  Brada o bebê com poucos dentes no colo da mãe coadjuvante, fugida a passos largos.
  Mas eu falei de ti. Falei para quem não quis ouvir. Porque meu peito transbordava sua voz e meus olhos projetavam seu cabelo ondulado. Ainda que ardi nesse fogo há pouco, agora que sinto a brasa acender e a esquentar meus pés, para que com menos frio pudesse sair dali para meu quarto. Deitar no meu colchão e cobrar o aluguel. Dizer boa noite e acordar.

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