terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Ao Porto!






À Ferreira


À fogueira que um dia ardeu
Porque alguém, sem ser eu
A alimentou com ilusões
E forte abotoou os botões
Presos em cordões de dedilhar

Que pode ter sido um erro?
Não ligo, mas ainda arde
A brasa ao lado do que enterro
E sonho com a pele que mais tarde
Incessantemente desejo tocar

Aos lábios que profundas doçuras
Saem ao baile da língua à quebra do sotaque
Que um oceano é o agente das agruras
Que levam meu coração palpitar a um baque
Só quero te olhar. Ah! Se pudesse te olhar

Com meus olhos de carne
E a imagem acalmar o desconforto
Do tambor que o meu peito cerne
Leve-me a Porto!
E não deixe a ampulheta parar.

sábado, 11 de outubro de 2014

E Se Eu Nunca Me Expressar?

(Cena do filme "Albergue Espanhol")

  Sua silhueta de costas pra mim a frente da luz da alvorada que passava por sua janela. Não conseguia pensar em curvas mais belas ou mais atrativas que aquelas. Tive a maior vontade do mundo de te abraçar e te manter ali, quieto, nos meus braços. Provaria-te que nada no mundo te atingiria. Que usaria meus braços finos em afago a ti ou em arma a quem te aflige.

  Eu quis encher um balde com tudo que jorrava de mim e jogar-te a face, aos trancos do sono e da embriaguez, contive-me e contentei em molhar-te um pouco com o que vinha na tampa. Na tampa dos meus olhos e do meu coração. Na tampa do meu querer.
  Queria não sentir-me assim porque meu medo de mim tem potencial para afastar até os mais indomáveis. Ter-te perto me afaga o futuro que norteia somente meus pensamentos e anestesia meus pés cansados por andar sobre pedras e suas pontas. Pedras de uma rocha maior, que me protege do meu eu, que dela fiz morada e que é a primeira coisa a se ver de longe.
  Ando de máscaras por ai. As vezes mais discreta, as vezes mais pesada. A verdade é que apesar de querer dar-te a face, não consigo. Não consigo porque meu eu não quer deixar de ter o afago que o seu faz.

  Na verdade o que gostaria de voltar a sentir é a sua respiração em minhas bochechas, minha cabeça em seu peito e aquilo que me fez dormir, mesmo em um ambiente que não me cabia.

sábado, 4 de outubro de 2014

Suspiro Com a Cabeça Apoiada Nas Mãos








Àquele artista que por três vezes me citou o capítulo anterior

  Então naquele dia eu falei de ti. Sentado na praça enquanto as pessoas passavam e o vento bravo lufava frio e varria as folhas secas. Sussurrava no meu canto, para mim mesmo, em voz não tão baixa. Debatia com o inquilino na minha cabeça sobre as mudanças inconstantes que me sujeitava. Não tentava me render. Porque antes o fiz e minhas pernas ele quebrou. Então com intensidade ele entrou e sem força não o obrigo sair.
  Porque estava ali? Não sei. Mas as praças carregam esse ar impregnado de amáveis começos promissores e o que eu mais precisava ali era de um começo. Um começo com duas colheres de amor. Um amor que chegasse com duas bolachas descompromissadas com o sabor. Alheias aos gostos. Indiferentes à casca da laranja, que aromatiza o gosto.
  Bebi como se fosse uma poção entregue por uma bruxa. Dessas que passam e prometem ter em suas mãos as chaves mais adequadas para as portas mais difíceis de se abrir. Quis que meu estômago borbulhasse o destino e o universo fosse impresso ao som do cantarolar do inquilino. Um cantarolar agudo e afiado que ao alcançar os meus ouvidos dilacerou-o.
  Não vi dor, mas vi sangue. Duas mãos me arrancaram daquela imersão fria e pesada como as garras de um falcão alcançam a presa e a sacodem firme até o ninho. Era um soco à boca do estômago. Vindo de uma mão enrugada e fraca. Atravessou-me ao meio e não preencheu meu vazio.
  Vazio!
  Brada o bebê com poucos dentes no colo da mãe coadjuvante, fugida a passos largos.
  Mas eu falei de ti. Falei para quem não quis ouvir. Porque meu peito transbordava sua voz e meus olhos projetavam seu cabelo ondulado. Ainda que ardi nesse fogo há pouco, agora que sinto a brasa acender e a esquentar meus pés, para que com menos frio pudesse sair dali para meu quarto. Deitar no meu colchão e cobrar o aluguel. Dizer boa noite e acordar.

domingo, 31 de agosto de 2014

Eu...





Pássaro tentando acordar seu parceiro já morto




Sou só um caco solto de um vitral maior,
Sou uma folha seca derradeira no vento frio,
Um grão de areia a quilômetros da praia,
Uma formiga perdida em terra de gigantes.

Tentei ser aquilo que nunca fui,
Tentei ser o melhor balão num quintal de espinhos,
Joguei-me a corrida dos grandes,
Com pernas tortas, curtas e magrelas.

Fui a formiga que comeu com tamanduás,
A presa fácil que correu mais rápido que a onça,
O pardal que atravessou o Atlântico,
E que nunca foi aquilo que deveria ser.

Tomo ódio do mundo por largos momentos,
Ao questionar porque o esforço dos grandes é menor que o seu
E transbordo minha ira em curtos silêncios
Porque dos meus braços delgados,
Só o afastamento é a grandiosidade condizente.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Ignaras Vedetas




Hoje
andei na rua de megafone
a apregoar o teu nome
e o amor que sinto por ti.
Hoje
cuspi fogo à porta do metro
e entreguei mais de mil panfletos
e todos diziam assim:
Hoje o mundo venera
todo o destemido pateta
que faz pouco de si
E se eu for ignara vedeta,
será que na rua deserta
tu reparas em mim?
Hoje
declarei-me em todas as praças
grafitei na rua onde passas
"o meu amor passou aqui"
Hoje
fiz o pino e uma canção
e hei-de ir à televisão
só para que ouças assim:
Hoje o mundo venera
todo o destemido pateta
que faz pouco de si
E se eu for ignara vedeta,
será que na rua deserta
tu reparas em mim?
(Deolinda)

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Folha Seca



Caia leve ao baile do vento
Seca e áspera como a pele de uma velha
Amarelo e marrom que se abraçam e se colorem
E com o mesmo pesar se posta a porta da minha casa
E boia na poça feita por mim
Que sentado na soleira não sentia, mas vinha

O olhar fixo na última de centenas
Que calafrios me subiam e aclaravam
As nuvens pesadas vinham em manada
E o vento cortante trazendo-a até minha frente
Que um dia invejou a árvore verde
Que hoje vê sua última folha morta

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Na Tal Segunda-Feira

A Tiso

Como macio sinto o toque
Aquele que me dá o enfoque
Em apenas uma parte da história
Tudo pode esperar
Porque mais perto da glória
Não há como chegar

A alegria que seu cheiro me traz
É a mesma que a meu tédio desfaz
E que ao sorriso que ali demonstra
Ilumina a quadra, o bairro, a nação
Soa-me como um mantra
Que só me interessa a fração

Que de mente ainda não entendo
E que do que não entendo, tenho medo
Mas que com medo, abraço-me ao apego
E me deito em cama de sossego
Pra despertá-me em outro dia, depois das dez e meia.

sábado, 3 de maio de 2014

Parte III

   Agora à luz da nova lua, que paira na escuridão quase perpétua, parece que vim desabafar mais uma vez. Entretanto quem lê? Ainda que ninguém eu me sinto bem, traduzindo em letras digitais (manuscrever me dá preguiça) o que não consigo em palavras faladas.
   Então parto do vislumbre de uma gaiola aberta, com um pássaro amedrontado habitando-a. Nunca sentiu o estar de fora, mas sonha com isso. Sonha com aquela portinha aberta e sabe que teria medo de passar. Mas e então? E então? O que impede?
   Passei a vida ali sabendo que a gaiola não era meu lugar. Empenhei-me em alegrar e abrilhantar a vida, de jeito sutil, dos outros. Mas a minha sempre esteve no fundo. Assentada com a minha caca. E no meu canto, por vezes, eu alertei o que sentia. E ninguém ouviu... Por outro lado, ouviram... E se deleitaram.
   Resolvi parar com a piação. Simplesmente curvei o pescoço sobre o peito e parei bem quetinho sobre o poleiro. Foi dai que desataram a tranca e ofereceram-me a "liberdade". Quando não era mais útil?

Lamentação de Um que Queria Correr Livre e Não Consegue, Porque as Amarras São Terrivelmente Fortes

Acorrentado e encadeado
Um mundo inteiro
Guardado