terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Poema escrito, mas nunca contado





Tenho sido um caos.
Resultado de sentimentos bruscos e emaranhados produzindo da boca o silêncio.
Um vendaval sem som.
Uma tempestade de céu limpo, sem compromisso com regar a vida da terra.
Ando sendo idioma sem uma única palavra.
Antes as manuseava como espada afiada e me divertia em dilacerar as entranhas dos amados e dos inimigos.
Mas hoje o oxigênio inspirado para pronunciá-las se perde em algum lugar e dá alento à coisas que a cabeça e o coração ainda não aprenderam a desenhar pros olhos verem - ou os olhos não entendem sua complexidade?
Na última semana fui o limbo entre o seguir ou parar.

Seguir no caminhar ou parar no correr.

Seguir no sonhar ou parar de respirar.

Fui a lágrima que quis escorrer, mas de tão triste não se esforçou.
Quis ser o morrer sem gosto de vida - aquela das páginas em branco antes desta.
Tenho sido cipó que se emaranhou nas flores de uma árvore bonita e as reclamou para si. Sabia que nunca seriam suas, mas lhe faziam soar mais bonito.
Tenho sido o que nunca quis ser. Tenho vivido por aquilo que nunca, de fato, quis ter.

Sou confusão, sou chorão, sou magrelo e fraco...
.
.
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que no encenar sua força óssea não despertou grande interesse alheio.

Sou a garrafa boiando em mar aberto, levando mensagem velha escrita em língua morta.
Sou o remorso por não ter se aventurado ____ do outro lado da rua, quando criança.

Sou a revolta por ter abaixado a cabeça quando falavam mais alto que eu.
Sou o fracasso por ter vivido para eles.





Sou todo o choro sem o drama do soluço.

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

"Te ligo mais tarde..."

Travessa da Espera - Lisboa

   Combinaram de ir a uma exposição no inicio daquela noite de sexta-feira. A voz do outro lado do telefone disse, com um sorriso polido: "Te ligo mais tarde para confirmar a hora..." e ele esperou a ligação, mas já era domingo. Ninguém ligou. Parece que existe apenas uma certeza no que se esperar das pessoas que tem sorriem à primeira "esquina".
   Em uma esquina há tantas bocas que se trocam por beijos sujos, manchados de culpa, tristeza, solidão, soberba, luxúria e indecisão. Beijos seguidos pelo escarro do ego que se desprende da garganta. Parece uma boa ideia para quem não sabe o que quer e não tem muito a perder.
   Se salvaria na atenção pretendida, mas se perde entre tantos abraços vazios e sorrisos para si próprio. Vai seguindo a tênue linha de olhares entre as pessoas da esquina e entupindo a cabeça com álcool e nicotina. Perdido... Não se espere achar em quem confia em meia duzia de palavras daquela gente ali da esquina.

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

O Skrike



"O Grito" - Edvard Munch

Tenho um tantão de palavras não ditas emaranhadas no meu coração. Palavras ainda sem forma, porque no percurso entre o sentido, pensado e dito há uma complexa cadeia de produção. As vezes um fio escorre pela língua e algumas pessoas recebem com indiferença, outras como se uma tromba d'água despencasse sobre suas cabeças e outros como aquela poça suja que a gente pisa e se irrita por ter molhado as meias.

Elas vem deformes. Brutas e sem gingado. Densas. Não possui o contorno trabalhado daqueles que sabem esculpi-las e pô-las a mostra como sua obra de arte final. Seria o português a fôrma mal-feita para aquilo que queria ser dito? Encharcou-se de castelhano, embriagou-se de inglês, tocou no francês e bateu com a cara no norueguês até que de longe avistou o mandarim, mas ficou com os pés presos na lama que oferece o russo. Agora tinha palavras demais. Umas mais brutas que as outras. Algumas mais esclarecidas que poucas. Escorriam pesadas. Com grafia feia e combinação desastrosa.

Seria então necessário que se expressa-se num acolchoado de retalhos, daqueles que as vovós costumam fazer, com palavras que se aproximam do que desemaranha o coração?
Eu siento rare parce que ingen shi zhèli so mnoy.
Me feel alene avec tysyachi réri conmigo.
Queria ser calado em definitivo e não sofrer com tanto a dizer, sem saber como e sem saber porquê.

quinta-feira, 28 de julho de 2016

Desabafo II



Nunca se permitiu a gostar (ou amar) a quem ele andava de mãos. O senso de mediocridade o levava a aturar quem não o surpreendia e o olhar frio, o toque distante, findava qualquer chama que se levantava para consumi-lo. Ouvia nitidamente o coração alheio bater mais forte quando se aproximava, mas o seu sempre estava sintonizado no mudo. Dava-lhes o direito do desespero ou do desinteresse e não se incomodava. Virava as costas à primeira lágrima que se despontava na quina dos olhos. Pisava-lhes a ferida para desafiá-la a não escorrer pelas bochechas e terminar pingando do queixo.

Nunca se deu a chance de olhar para baixo e perceber que estava sobre um pedestal, que ele mesmo criou, com a corda enrolada ao pescoço. Olhava para todos ali de cima, sem saber o que fazer caso alguém se decidisse chutar o seu suporte dali. Mesmo que ninguém o observasse, preferiu se manter ali trocando palavras com dois ou três, mas nunca descendo a seus níveis. Tinha o medo emaranhado do profundo negro de suas pupilas, mas imprimia em sua cara uma indiferença sólida.

Sua cabeça gritava ao coração que o fizesse parar. De se portar como torre vigilante, quando se era ele próprio que se perdia. Perdia-se no nó dos pensamentos, no tsunami dos sentimentos e nas palavras de qualquer um. Queria não ouvir, mas ouvia demais.

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Grande Onda


(Releitura de "A Grande Onda de Kanagawa - Katsushika Hokusar" - Fredi Ambrogi)

À DSF

Tudo parecia uma praia sem onda
Onde um menino ia todos os dias cutucar a água com uma vareta
Queria sentir o mar correr em direção à seus pés na areia
Forçava-lhe as ondas, fraco.
Não lhe interessava a lagoa que só aos olhos agradam
Que só ao corpo refresca

Gostava do desafio de se equilibrar
Queria avançar pela água salgada e ser arremessado de volta
Não lhe apetecia mais se aproximar
O mar sem ondas passou a agradar só a quem via de longe, sem poder tocar.
Ainda teimava em cutucá-lo
E a resposta veio

Do liso espelho d'água se via ao longe levantar-se uma parede
Daquelas que todos fogem quando vêem
Mas ele correu descalço pela areia até lhe sentir sob as unhas
Rasgou a roupa para fora de si e,
De braços levantados, imponentes, postou-se como se a barraria de volta
Ninguém lhe acreditava e a onda veio.

Acertou em cheio o rapaz
Revirou toda a areia marcada com suas pegadas
Acertou os transeuntes no calçadão
Dragou tudo o que tinha consigo.
Ele tentou segurar a onda, a queria.
Mas ela o expulsou.

quarta-feira, 6 de julho de 2016

Rendição?




"De tanto querer que me quieras, escucha.
[...] fue tanto querer quererte"


Acredita que eu fui parar no Rio de Janeiro, por duas vezes, quase que sem dinheiro algum, mas um tanto de pretextos na mochila apenas para ganhar um sorriso especial? Testemunhei (e sobrevivi) a alguns tiroteios, caminhei alguns quilômetros do alto do Morro da Babilônia ao Botafogo e me fiz o GPS humano quando me pedia para encontrar em algum bar pela zona sul. Ouvi seu coração bater triste e peguei 30 reais emprestado para presentear-la com um livro que eu sabia que ela ia adorar. A abracei quando senti que devia. Ela não me deixou na rua, quando já era tarde e o metrô não funcionava (e nem quando desmaiei de bêbado sob os Arcos da Lapa rsrs). Tudo que me acometia era encantar-me mais. Cada vez mais. Imensamente mais. Até que veio um beijo sem jeito, com gosto pesado e um tom de culpa. Senhor, como eu quis um beijo daquela menina! Mas não que fosse daquele jeito.

Ai uns anos antes meus olhos brilhavam na direção de uma menina que veio de muito longe. Com voz macia e papo doce. A cabeça nas nuvens e os pés se esforçando para se manter no chão. Quando brigamos andei por 7 quilômetros com uma rosa na mão para lhe pedir perdão (porque ou comprava a rosa ou a passagem do busão). Ela era torta e eu nem tanto. Mostrou-me que tenho asas e que foram feitas para bater e me levar pra onde eu quiser. Tinha dia que ela estava aqui, no outro lá e por algumas semanas na China. Ela sempre voltava e eu estive sempre a esperando.

Hoje estive me propondo a dobrar-me em 20. Não queria nada, mas com o passar dos meses eu quis muito. Quis um sorriso, quis um abraço e um quilo de beijos. A fina linha que me prendia àquela rede, qual ele era o centro, se rompeu e a cada dia ele se vai para longe. Um barquinho a deriva num oceano inteiro salpicado de dor e olhos de marujo sereno que fitam as ondas que se encontram ao casco. Ele alimenta o mar e eu o quis fazer parar, mas não deixou. Quis nadar até ele, mas não deixou. Quis saltar de paraquedas encima da sua embarcação e correr o risco de me afogar, mas ele não deixou. Será que ele sabe que quanto mais se afasta, mais se avança o pôr do meu sol?

De tanto querer abraçar. De tanto querer encontrar. De tanto querer... eu queria e ninguém quase nem via. Meus olhos sempre vão brilhar, por cada letra de cada palavra dirigidas a mim. Só espero poder seguir cantando nossas canções em algum momento, em alguma esquina que a minha rua encontrar com a sua. 

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Afinidade: A Fim e Intensidade







Vem e, como a água, se molde a meu corpo
Sustente-me e me deixe flutuar sem perigo de cair
Com seu brilho cristalino e seu som constante cura meu espírito e corpo
Banhe-me até a alma e depois se vá, mas volte com cheiro novo

Vem e, como água de rio maduro, corra intensa
Atinja-me com sua força bruta e serena
Ludibrie meus olhos com sua violenta paz
E mergulhe-me às profundezas palpáveis do seu abstrato mistério

Vem, e como água fresca, seduzir-me nesse dia quente
Viole meus poros e roube de mim o calor visceral e impiedoso do sol
Leve tudo que trago no seu curso e me deixe vazio
Expulse-me à margem e me faça querer voltar

Vem e, como água, me faça falta
Alegre-me enquanto estiver e mate-me de saudades quando se for
Encharque-me. Porque o que tens me faz falta
E o que tenho te completa

Por fim venho, te observo correr ao pé do monte
Verifico se não está abraçado a qualquer galho ou tronco de árvore
Se não dança com outro qualquer
Se não secou

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Nunca Saber Onde Podes Terminar





À quem se empolga e se sorve de insegurança cega


Suspirar e dar aquele passo largo num toco que flutua em um lago calmo, mas profundo. Errar o passo poderia ser um desastre, ou revelar um monte de terra que se inclina ao céu por sob a água. É divertido ter a inciativa e vencer o primeiro obstáculo. Desafiador alcançar o segundo toco. Seguro ainda estar perto da margem.

Há algo lá do outro lado. Parece que brilha pra mim, mas ainda não tenho certeza. Só sei que quero chegar e ver. E aquele frio no estômago ao alcançar metade do lago sobre um toco flutuante não muito firme. Era o jeito mais rápido! Se desse a volta demoraria e perderia de vista. O fato de nadar mal já salta por detrás dos meus olhos e projeta um Luiz hipotético na água sem saber o que fazer. As margens já estão longes e medo dá sabor à água escura.

Os pés molhados. O próximo toco parece tão longe. Mas o medo correndo pelo corpo paralisa e limita o movimento muscular. Quero chegar lá, mas daqui não consigo sair. Nem ouso olhar para trás ou para frente, que é pra não desequilibrar. Escuto o plano da fera ao fundo de como estraçalhar-me. Levar-me ao fundo do lago e nunca mais deixar-me ir.

Escuto o sussurro do vento dando-me alento. Encho uma vez mais os pulmões de ar e trato de focar no brilho dissimulado à minha frente. Levanto o pé e me inclino pra frente. Jogar-se ao azar e não saber onde vai terminar. Quem sabe há uma cidade secreta debaixo de toda aquela água? Poderia explorá-la caso lá seja meu destino. Poderia correr ao abraço do foco da minha atenção, caso o acaso me pusesse nesse caminho.

Então vou me levar. Nunca sabemos mesmo onde terminar! E se as feras me esperam à mesa para um banquete com elas próprias na escuridão das profundezas? E se o brilho acenante do outro lado não passa de um pedaço de lata esquecido por alguém depois de ser útil? E se eu mesmo nem aqui estou, senão largado em minha cama sonhando com alguma imagem do meu subconsciente?

domingo, 20 de dezembro de 2015

Sair de casa. Deixar de espiar o mundo lá fora.



  Todos que passaram por minha porta nestes últimos meses viram o aviso de luto por tempo indeterminado. Aquele sinal ali empregado, por fim, começou a ser parte da arquitetura e a entranhar-se na estrutura da casa onde habitava. Os muros são fracos e manchados de mofo, mas o suficiente para abrigar e aquecer um desajustado que nasceu com a cabeça voltada contra o vento. 
  Às vezes abria uma fresta para aqueles que se deparavam e observavam com curiosidade. O aviso intimidava. Nunca entrou uma alma sequer ali, a não ser o solitário eremita. Quando ousava sair, não o fazia sem levar sobre as costas o peso de suas vigas e de sua base. Doía-lhe a coluna. Doía-lhe a cabeça.
  Inverno, para ele, era sempre o lado de fora. O frio vinha do olhar, do agir e do falar das pessoas. Das línguas nunca vieram frutos maduros e dos braços nunca trabalho útil, Primavera estava dentro da concha. Verão era dentro da carapaça. O conforto estava no limite entre ele e as paredes duras, nem sempre frias.
  Foi no romper do silêncio e da sintonia que uma pedra estilhaçou a janela. Cruzou toda a sala e ricocheteou na parede, no outro canto. Alguém o obrigou a sair, nem que seja para esfregar o luto às fuças e em resposta tê-lo molhado em cuspe. Que desprezo, não!? Mas foi capaz de depois de tempos reviver a imagem do solitário sem sua armadura. Sentiu-se nu, mas se se mantivesse vestido, veria o momento escorrer pelos dedos e evaporar-se.
  Não a figura de um ser que ousou desafiar, mas a beleza da coragem de seu ato o cativou. Se não se mexesse, perderia a chance de olhar nos olhos do tal feitor. Em dois minutos decidir-se: voltar para dentro ou seguir a espiá-lo até, pelo menos, o fim da rua?

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Um Último Trago





   Sentado na janela, saboreava a brisa calma e morna das primeiras noites de primavera. O cigarro entre os dedos e os olhos no céu limpo, pontilhado por estrelas. Corpo presente, mas a mente respirava em outro lugar secreto. Quem olhasse, saberia que não estava ali por inteiro. Lápis na mão e um pedaço de papel a frente. Desenhava algumas letras e logo às desfazia. O cigarro queima. Entre curtas tragadas olhava para o céu e se voltava para o papel. Queria escrever muitas coisas, mas o espaço era pequeno. Pensava nas melhores palavras, mas de pronto às abandonava. Precisava escrever! Respirava como se a alma estivesse pronta a sair de seu corpo e fazer uma viagem longa. Sem certeza se voltaria. Sentia a brisa e o cheiro da mistura de tabaco e papel queimado. 
   A mente oferecia um vocabulário extenso, mas a língua não lhe servia. Queria vomitar um milhão de palavras traduzidas de seu idioma pessoal. Os dedos se voluntariavam, mas não eram exitosos. Indagavam: "O que quer dizer?" e logo desfaziam todo o árduo trabalho outrora escrito. "O que quer dizer?" Ora, quer dizer tudo! Mas tudo é demais para a língua que sabia falar. Acumulava-se na garganta e já quase transbordava pelos olhos. Dava mais um trago e se voltava ao céu. A brisa mexia com as folhas da árvore a frente e, com seu som, perturbava a noite calma e especialmente quente. Tinha que transbordar! E choveu em gotas de oceano. Aquele que queria jorrar pela boca e se continha um pouco antes das cordas vocais. 
   Pensava em seu egoísmo. Pensava em sua solidão. Solidão que só o coração sentia e que nunca se ia, mesmo quando algumas taças de vinho estavam presentes. Que outros sorrisos se exibiram em sua presença, mas nenhum alcançou a profundidade daquele olhar. Tal que via, e entendia, o que tinha atrás de cada estrela. Traga a última porção de fumaça e descarta a bituca no gramado a frente. Observa seu caminho até o chão. Viajou por mais de dez metros até lá. Olhou uma vez mais para o céu. Desistiu do papel. Secou o rosto e a seguiu. A alcançou e de dentro dele explodiu tudo o que queria dizer. Nas janelas, nas paredes, na árvore e por quase toda a grama. Tudo está repleto de sentido agora.